quinta-feira, 11 de dezembro de 2008 17 comentários

Natal em preto e branco



Campina Grande, 11 de dezembro de 2008.

Querido Noel


Faz algum tempo que não o escrevo, para ser mais específica, pouco mais de 12 anos, e tenho andado meio sem jeito com as palavras e sensações. A verdade é que minha vida mudou substancialmente e estou morrendo de medo que você não reconheça a minha letra e nem se lembre mais onde eu moro.

Pensei em dar algumas desculpas para o meu sumiço intencional e, talvez, dizer que à medida que fui crescendo ganhei obrigações e responsabilidades que acabaram por usurpar o tempo destinado aos bilhetinhos, mas a verdade é que, com o passar do tempo, a inocência de outrora se perdeu por esperas (in)cansáveis de expectativas irrealizáveis e eu acreditei, quando me disseram, que você era mais uma ilusão, invenção utópica.

Lembrei-me de quão grandes eram a minha ansiedade e a minha preocupação (pensamentos inúteis, mas que faziam a diferença dos Natais). Nunca soube, ao certo, que dia deveria esperá-lo, 24 ou 25? Como você saberia onde me encontrar? (eu sei que as cartas continham o remetente, mas devia ser muito complexo chegar ao destino sem a ajuda de um GPS e você ainda poderia perder o discreto pedaço de papel onde informava que a minha casa é a que fica na calçada do posto de gasolina). Além de tudo, não possuíamos chaminé, de que forma você entraria?

Sinto saudade da época em que as únicas condições impostas, em troca dos presentes, eram: ser uma boa menina, fazer as tarefas da escola e escovar os dentes. Como era bom quando os sonhos eram fáceis de encontrar em qualquer departamento de brinquedos e só dependiam de um “eu quero”. Como me faziam feliz suas visitinhas rápidas no calar da noite, mesmo quando o presente que trazia estava trocado. Nunca reclamei dos “equívocos” porque sabia que a minha boneca não falavas as 10 frases, provavelmente, por causa dos altos preços decorrentes da inflação e se a bicicleta chegou com um mês de atraso (aquela que tinha uma cestinha na frente) só pode ter sido culpa do caos aéreo ocasionado pelo sucateamento das renas.

Quando dei pela sua morte, não fiquei triste, sentia-me madura e evoluída (uma mocinha, como diziam), mas o natal perdeu o brilho e o encanto de antes. Os sonhos sonhados não sabem se fazerem reais e os presentes que eu desejo não estão disponíveis em prateleiras.

Hoje, enquanto recolho as bonecas já quebradas, os ursos amarrotados e os sonhos desbotados, escrevo para desabafar as palavras que me enchem a boca e mantém meus olhos em constante transbordamento.

Se você ainda estivesse aí e pudesse ler esta carta, pediria que regressasse e nunca mais me deixasse abandoná-lo para que eu pudesse voltar a acreditar que você vai entrar pela janela de mansinho e vai deixar a tão preciosa aprovação em uma das mãos e uma caixinha de band-aid na outra enquanto, exausta de tentar e de esperar, durmo serenamente.


segunda-feira, 24 de novembro de 2008 16 comentários

Sequência

Lua adversa
"Tenho fases, como a lua
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua...
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha.
[...]
Não me encontro com ninguém
(tenho fases, como a lua...)
No dia de alguém ser meu
não é dia de eu ser sua...
E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu..."
(Cecília Meireles)
O meio


Começo e fim são sempre as partes mais complicadas nesta seqüência porque estão repletos de sentimentos que me amedrontam: medo, insegurança, dor, saudade.
Bom mesmo é o meio. É no meio do bolo que está o mais saboroso, o recheio (que no meu caso só poderia ser de chocolate). Ao leite, meio amargo ou com flocos de emoção.
Mesmo que eu quisesse, não conseguiria encontrar palavras para descrever o meio porque a gente prova (vive, acontece) e só consegue dizer: “ Hum ...”


Sim, mas onde está a emoção? Está bem guardada nas minhas lembranças e quem quiser que imagine, sinta-se a vontade. Eu é que não vou contar. Porque a emoção estava (está) em viver cada momento e sentimento e depois dizer que faria tudo outra vez, mesmo sabendo que, às vezes, fins não têm começo e começos podem não ter fim.

O fim

Extremamente por acaso, mas também, ninguém sai de casa dizendo: “Hoje, vou me apaixonar”, nem mesmo uma louca como eu. Mas foi assim, um acaso intencionado, conversas e mais conversas, trocas de olhar, algumas indiretas, muitas diretas e três meses de telefonemas. Muitas limitações, pré-conceitos, caipirinhas e medo. Sonhos então, melhor nem comentar.

O fim do começo? A falta de luz, um garçom metido, uma vela, um abajur e uma explosão (o beijo)!

O começo

[...] E assim, nos olhamos e partimos. E eu pensei que quando esse dia chegasse iria espernear, mas não. Não disse nada. Não fiz nada. Não movi sequer os olhos, apenas andei. Andei por querer estar longe, mesmo sabendo que, por enquanto, por mais que eu corra, você ainda vai estar em mim.

É o começo do fim e talvez não seja o tão sonhado final feliz, mas também não é triste, é apenas o fim. E eu não desisti de você como se largasse um brinquedo que já perdeu a graça. Deixei-o ir porque o amava, mas já não o tinha mais.
quarta-feira, 19 de novembro de 2008 9 comentários

Terminal de integração

“Diante dos horizontes próximos,
aflige-se o meu coração
Não sei se é o tempo da chegada
Ou sempre o da navegação”.
(Cecília Meireles)

Faz sol. E nada melhor que um dia sorridente para abrir as janelas, fazer uma faxina, colocar as idéias em ordem, os sentidos no lugar e determinar novos rumos, ou erguer-se diante dos antigos.

Imersa nas respostas do que não foi perguntado, ou nas perguntas do que nunca será respondido, deparei-me no terminal de integração e pus-me a observar, a querer entender e a esperar o ônibus que me levaria ao destino certo.

O primeiro que avistei veio repleto de informações novas, letreiros coloridos, pipoca e algodão doce. Me conduzia a escola e me transportava pelos corredores até onde eu pudesse saciar minha cede. Prometia me levar para sempre, mas foi promovido a ambulância e abandonou as velhas rotas da infância para compartilhar das emergências de fisiologias menos complexas.

Circulei, em um destes bem altos, pelos jardins do edifício Antônio Lira, mas sem conseguir apalpar o futuro e enjoada de rodar em círculos pedi para descer antes que vomitasse e estragasse tudo.

Pensei ainda, por estes mesmo jardins, que um outro poderia ter rotas interessantes, apesar do comedimento. Acenei, fiz barulho e acho que (para variar) assustei porque quando eu tentei argumentar junto ao motorista recebi o silêncio como resposta e percebi que eu desejava ir a montanha enquanto ele seguia para a praia.

Peguei muitos ônibus errados, tantos outros lotados e, (des)atenta, permiti que muitos outros partissem sem ao menos saber a que vieram. Evitei caminhar por medo de perder tempo e perdi muito tempo evitando.

O último passou tão por acaso que deve ter se enganado de terminal. Suspicaz de tão quieto, mais parecia ter desligado os motores da emoção, ficou por ali um tempo na dele e só o percebi quando me fiz perceber. Possuía atrativos aos olhos de todos, menos aos meus e, definitivamente, não era o tipo de ônibus que eu me propusesse a pegar. Não prometia destino algum e no letreiro, apenas, um F que julguei de FANTASIA (ou FRENESI, como queira, já que frenesis são fantasias caleidoscópicas). Se chegou pagodeando enquanto eu sorria Bossa Nova, fez meu coração de pandeiro pelas avenidas do aprendizado e me deixou sambando miudinho.

Julgar-me-iam todos uma recalcada se viesse aqui para fazer adjetivações negativas ou atribuir culpas, mas o fato (seja ele verdade ou interpretação) é que estas figuras-estranhas-indispensáveis, os ônibus-homens-amores, estão sucateadas pelo mau uso.

O amor necessita sê-lo e sabê-lo, deseja sentir, ler e ouvir os rumores da alma. Ele não anseia por falatórios elegantes, também não sabe falar bonito, só sabe sentir bonito. Entretanto, no TERMINAL DE INTEGRAÇÃO DOS MEUS AMORES descobri que “nunca soube como se amava, apenas soube como se sonhava amar” (mas isto é só um parêntese sentimentalóide de sensações transeuntes).

Depois de uma hora e meia de espera, ou um quarto de vida sem esperar, fui informada de que é feriado e o ônibus que eu desejo não virá (deve estar guardado na garagem dos sonhos). Então, lembrei-me de uma frase que me foi dita: "para que complicar se o amor é tão simples!" e tentando não cometer os mesmos erros resolvi (re)fazer a estrada e buscar a simplicidade do amor sem simplificar as emoções. Mas antes de passar pela próxima catraca, melhor ir avisando: sou um vulcão de sentimentos e quem tiver medo de fogo que corra, não me venha com extintores.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008 8 comentários

Entre tombos e brilhos

Por vezes, me pego desejando ter Freud por perto para perguntar-lhe as coisas que minha alma ignorante insiste em querer entender. Tentativa frustrada e acho que nem preciso explicar o porquê.

Anuncio que irei me jogar e depois de perder os sentidos, ou melhor, abandoná-los nas esquinas em que desejei passar, ali estou completamente jogada a cama, entregue às lágrimas e entregando-as ao travesseiro (abafador de minhas desilusões).

Ouvi de um amigo que, em uma mulher, o que Freud não conseguir explicar só pode ser TPM. Deve ser. Mas também ouvi que o mal do ser humano está nas expectativas e disso não tive dúvidas.

É inevitável não tê-las (tanto as dúvidas quanto as expectativas, mas refiro-me a esta última). Cada fato cria cenários como por encanto que, independentes ou agrupados, povoam o nosso imaginário e fazem brotar dos olhos, em frações de segundos, emoções e sentimentos indescritíveis.

A insegurança dos primeiros passos. O primeiro amor e a sensação eterna do tempo. O primeiro voto e o desejo de mudar o país. O primeiro vestibular e o sonho de desbravar o mundo. A possibilidade de um emprego, um salário, uma independência. A casa nova. Uma família. Os filhos... Ah, os filhos! Como se sonha com eles e por eles. Os netos e a tentativa de pedir desculpas pelos erros cometidos aos seus pais. Enfim a aposentadoria e seu prometido descanso. O arco-íris parece ter bem mais que 7 cores.

Tudo parece imortalizar-se diante dos solícitos desejos de finais felizes. Acredito que esperamos demais e talvez seja este “esperancismo” que nos maltrate tanto e nos destrua, aos poucos, cada vez que um político se corrompe, o vestibular é ruim, o emprego inexiste, o salário não dura, o amor acaba, a família se desfaz e o sonho termina.

Apenas um telefonema, é tudo o que se espera. Será que me ama? E aí? Passei? O que estará a pensar? Vou ser promovida? O que vai ser, menino ou menina? E o que dirá primeiro? Papai ou mamãe? Tantos planos! De repente o que foi desejado não se concretiza e as esperanças se dissolvem, o mundo fica cinza, as pessoas perdem o sabor e os sentimentos tornam-se desbotados: o feto torna-se mais um sonho rubro que escorre pelas pernas e pelos olhos, direto para o ralo.

A velhice, em vez de ser a idade do descanso e das regalias, torna-se a idade da artrite, artrose, osteoporose, hipertensão, diabetes, alzaimer. A terceira idade é a melhor idade só se for para as doenças porque o corpo parece não mais obedecer, a memória falha como um disco riscado e a exclusão é, quase sempre, destino certo.

Mas há ainda, entre os passados pela vida, esperanças de condições melhores, desejos e muitas expectativas até que uma febre reumática ou o parckinson revelem a dura realidade: falência múltipla dos órgãos, falência dos sonhos múltiplos.

Descrente de mim, ainda resisto às desesperanças e a cada desapontamento, uma determinação: não me iludo mais, não sonho mais, não espero mais. Até que surge uma nova vaga, uma nova entrevista, um outro político, mais um vestibular, um bom amigo, um novo amor (muitos outros) e tudo recomeça desde o brilho repleto de frio na barriga até a escuridão do tombo.

E se antes eu havia dito que o mal estava em criar expectativas, desdigo. São elas que potencializam o sofrimento, é verdade, mas são elas que proporcionam as mais deliciosas alegrias, sabores diferentes. As mãos geladas se intensificam mesmo que os termômetros apontem 39 graus. A dor parece menos dor, talvez um aperto de leve. A respiração é transformada em suspiros, os sorrisos são mais sorrisos, os abraços parecem ter mais braços e os beijos mais estalos. É a lei do “risco-benefício” e não arriscar leva-nos a mesmice, pura monotonia.

Somos construídos por tombos (sonhos) e levantar nos torna melhor. Talvez por isso, mesmo que Freud não explique, eu viva tudo tão intensamente. Não me importa de estarei (estou) apagada por alguma desilusão, contanto que brilhe já está valendo. Até porque, é quando se está no escuro que se é capaz de encontrar, nas expectativas, forças para brilhar mais intensamente.
quinta-feira, 6 de novembro de 2008 17 comentários

Devaneios emocionais

Um dos meus ambientes privados prediletos é, definitivamente, o banheiro (para não dizer a privada, que soa tão mal para alguns). Incansáveis horas por necessidade ou por comodidade habitual são sempre produtivas, pois acompanham leituras agradáveis, reflexões importantes, papéis e canetas.

Para não agredir a sensibilidade dos mais recatados, educados e purificados, que fazem caras e bocas cada vez que pronuncio algo que deve ser reprimido, - segundo eles-, tentarei usar termos menos agressivos à boa educação e vou começar trocando merda por fezes (não, fezes também causa estranheza), melhor que seja excretas sólidas.

Mas o que eu queria falar mesmo era sobre devaneios emocionais. E me perdoem os poetas, principalmente os românticos, mas devaneios emocionais provocam, em mim, as mesmas reações que “devaneios intestinais”.

Perco o sono tanto com preocupações como com o mal-estar digestório. Ansiedade e agonias abdominais me fazem suar frio intensamente. Sinto dores recorrentes por causa de movimentações estranhas e de uma angústia melancólica. E sempre que penso estar bem, a tristeza e um dos meus esfíncteres (o inferior) revelam que ainda não devo levantar. Ambos me fazem escrever. É que, os motivos para escrever vêm com as alterações sentimentais e o tempo com as intestinais.

A essas alturas, deve haver alguém, com a maior cara de nojo, se perguntando como é que eu perco tempo escrevendo sobre minhas merdas, - desculpem-me a expressão, acho que havia prometido usar excretas sólidas-, mas a questão não é de perda de tempo, é justamente o contrário. A madrugada já se faz alta e aqui estou aproveitando o pouco de tempo que me sobra (que não é bem uma sobra, mas serve) para fazer o que mais gosto em um ambiente reflexivo, tranqüilo e agradável. Exceto quando alguém bate na porta e pede para (des)ocupar.

Aliás, o ambiente é o único tranqüilo por aqui porque a disputa interna, em mim, é deveras acirrada. Enquanto os movimentos peristálticos provocam horrores da cintura para baixo, os pensamentos dão duplo mortais carpados em outras partes. Ambos misturam-se, por fim, pela caneta que adoraria escrever que os eletrolíticos prevalecem, mas sabe que eles são superados com um copo com água que contenha duas medidas de açúcar e uma de sal, já os emocionais vão precisar bem mais do que isso para serem superados.

Rousi, perturbando a madrugada.
 
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