quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Entre tombos e brilhos

Por vezes, me pego desejando ter Freud por perto para perguntar-lhe as coisas que minha alma ignorante insiste em querer entender. Tentativa frustrada e acho que nem preciso explicar o porquê.

Anuncio que irei me jogar e depois de perder os sentidos, ou melhor, abandoná-los nas esquinas em que desejei passar, ali estou completamente jogada a cama, entregue às lágrimas e entregando-as ao travesseiro (abafador de minhas desilusões).

Ouvi de um amigo que, em uma mulher, o que Freud não conseguir explicar só pode ser TPM. Deve ser. Mas também ouvi que o mal do ser humano está nas expectativas e disso não tive dúvidas.

É inevitável não tê-las (tanto as dúvidas quanto as expectativas, mas refiro-me a esta última). Cada fato cria cenários como por encanto que, independentes ou agrupados, povoam o nosso imaginário e fazem brotar dos olhos, em frações de segundos, emoções e sentimentos indescritíveis.

A insegurança dos primeiros passos. O primeiro amor e a sensação eterna do tempo. O primeiro voto e o desejo de mudar o país. O primeiro vestibular e o sonho de desbravar o mundo. A possibilidade de um emprego, um salário, uma independência. A casa nova. Uma família. Os filhos... Ah, os filhos! Como se sonha com eles e por eles. Os netos e a tentativa de pedir desculpas pelos erros cometidos aos seus pais. Enfim a aposentadoria e seu prometido descanso. O arco-íris parece ter bem mais que 7 cores.

Tudo parece imortalizar-se diante dos solícitos desejos de finais felizes. Acredito que esperamos demais e talvez seja este “esperancismo” que nos maltrate tanto e nos destrua, aos poucos, cada vez que um político se corrompe, o vestibular é ruim, o emprego inexiste, o salário não dura, o amor acaba, a família se desfaz e o sonho termina.

Apenas um telefonema, é tudo o que se espera. Será que me ama? E aí? Passei? O que estará a pensar? Vou ser promovida? O que vai ser, menino ou menina? E o que dirá primeiro? Papai ou mamãe? Tantos planos! De repente o que foi desejado não se concretiza e as esperanças se dissolvem, o mundo fica cinza, as pessoas perdem o sabor e os sentimentos tornam-se desbotados: o feto torna-se mais um sonho rubro que escorre pelas pernas e pelos olhos, direto para o ralo.

A velhice, em vez de ser a idade do descanso e das regalias, torna-se a idade da artrite, artrose, osteoporose, hipertensão, diabetes, alzaimer. A terceira idade é a melhor idade só se for para as doenças porque o corpo parece não mais obedecer, a memória falha como um disco riscado e a exclusão é, quase sempre, destino certo.

Mas há ainda, entre os passados pela vida, esperanças de condições melhores, desejos e muitas expectativas até que uma febre reumática ou o parckinson revelem a dura realidade: falência múltipla dos órgãos, falência dos sonhos múltiplos.

Descrente de mim, ainda resisto às desesperanças e a cada desapontamento, uma determinação: não me iludo mais, não sonho mais, não espero mais. Até que surge uma nova vaga, uma nova entrevista, um outro político, mais um vestibular, um bom amigo, um novo amor (muitos outros) e tudo recomeça desde o brilho repleto de frio na barriga até a escuridão do tombo.

E se antes eu havia dito que o mal estava em criar expectativas, desdigo. São elas que potencializam o sofrimento, é verdade, mas são elas que proporcionam as mais deliciosas alegrias, sabores diferentes. As mãos geladas se intensificam mesmo que os termômetros apontem 39 graus. A dor parece menos dor, talvez um aperto de leve. A respiração é transformada em suspiros, os sorrisos são mais sorrisos, os abraços parecem ter mais braços e os beijos mais estalos. É a lei do “risco-benefício” e não arriscar leva-nos a mesmice, pura monotonia.

Somos construídos por tombos (sonhos) e levantar nos torna melhor. Talvez por isso, mesmo que Freud não explique, eu viva tudo tão intensamente. Não me importa de estarei (estou) apagada por alguma desilusão, contanto que brilhe já está valendo. Até porque, é quando se está no escuro que se é capaz de encontrar, nas expectativas, forças para brilhar mais intensamente.

8 comentários:

Anônimo disse...

"expectativas [...] proporcionam as mais deliciosas alegrias"

"qualquer dia amiga, a gente vai encontar"

Sinto saudades...
Te amo.

o texto ficou lindo..
Freud que se cuide.. Rousi está entendendo tudo.

beijo

Sidney Andrade disse...

samelly me disse que quintana disse a ela que 'enquanto há esperança, há vida'
suponho que seja verdade, e suponho ainda que quem espera demais, em contrapartida, sempre cansa.
poque esperança nao vem do verbo esperar, mas do verbo idealizar (não no sentido platonico... invente um sentido aí que nao seja platonico pra ideal, cada um tem o seu)
esperando na janela (virtual),
Sidney Andrade.

Fernanda Raquel disse...

Perfeito amiga, adoro suas construções textuais! :)

BeeijO Gataa!

aluah disse...

As mãos geladas se intensificam mesmo que os termômetros apontem 39 graus.'



me deu um frio na barriga.

Anônimo disse...

Eu acho que já li essa história antes...rs

Literal e não literalmente.

Em todo caso, você não precisa ansiar por brilhar, porque sua ansiedade já reluz. E o que Quintana me disse e eu disse a P. Sherman e ele te disse é a mais pura verdade.

Beijo recitado, flor!

Anônimo disse...

Ngm sb q foi vc q ensinou a abafar o choro c/ a boca no travesseiro , né?

"entregue às lágrimas e entregando-as ao travesseiro (abafador de minhas desilusões"

Imaginei a cena agora! E me imaginei no texto td!

Adorei

;***

Leonardo Faustino disse...

mais um texto sensacional, tá virando rotina moça. rsrsrs.

Bjus

Anônimo disse...

Enfim, visitando e amandooo o blog...
texto mto bacana Rousi.
O que seria de nós sem nossas expectativas??? hehehe

 
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